publicado em: 26 de maio de 2010
por: Jaime Wagner
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Jaime Wagner* - 26 de maio de 2010
Fonte: Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação 2009
A escassez de acesso à Internet e a falta de computador foi uma janela de oportunidade para pequenos empreendedores montarem lanhouses, e terem seu papel na inclusão digital reconhecido. Agora, a expansão da banda larga e o barateamento do computador, veículos da inclusão, diminuíram essa janela. Pequenos provedores de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) também tiveram papel fundamental na expansão da cobertura de acesso à Internet. Qual é o futuro destes empreendedores? O que será feito desta competência? Quem e como suprirá as necessidades a que atendem? O modelo a ser adotado para o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) precisa levar em conta todas essas questões.
Lanhouses
Na apresentação dos resultados da TIC Domicílios de 2007, o CGI.br apontava que as lanhouses “se tornaram o local mais utilizado para o acesso à Internet no país, principalmente entre os jovens e indivíduos de baixa renda” e reconhecia que “a iniciativa privada – em especial, os pequenos empreendedores – exercia um papel preponderante no processo de inclusão digital”.
Entretanto, a pesquisa de 2008 apontou que as lanhouses, embora se mantenham como principal meio de acesso público, perdiam espaço na área urbana para o acesso à Internet nos domicílios. Ressaltava-se, então, sua importância “na área rural”, onde os serviços de banda larga não estão adequados às necessidades dos brasileiros, seja por seu alto custo, seja pela indisponibilidade do serviço.” Agora, a pesquisa de 2009 confirma essa perda de espaço da lanhouse para o domicílio, inclusive no interior, tanto no acesso à Internet como no uso do computador.
O senso comum tende a dimensionar somente o investimento inicial e esquecer a despesa recorrente necessária para a operação e manutenção de um negócio. Além do investimento inicial, as lanhouses operam e mantêm seus ativos, e ainda fornecem suporte ao usuário e treinamento prático, serviços fundamentais para a verdadeira inclusão, cujos custos vêm suportando.
Diante do avanço da banda larga, os serviços complementares de instalação e manutenção poderão se tornar terceirizados desses mesmos empreendedores independentes. Entretanto, se o modelo for concentrador, o suporte tenderá a não ser terceirizado com essas mesmas empresas e sim com call centers centralizados, o que até poderá atender o usuário iniciado, mas não conseguirá promover a inclusão dos “analfabetos digitais”, principalmente no interior. Um modelo que respeite o espaço do pequeno empreendedor na última milha, não só terá o condão de garantir a capilaridade do suporte como será mais eficiente em termos de custo de operação
Pequenos ISPs
As lanhouses são tipicamente microempresas e muitas atuam até na informalidade. Pequenos empreendedores de um porte um pouco maior atuam como ISPs, divididos em duas categorias: SCM e SVA. Provedores SCM provêm acesso nas bordas do “filé” do mercado, e as concessionárias operam diretamente na última milha. Os provedores SCM possuem alguma infraestrutura própria de distribuição por rádio ou fibras óticas e, tipicamente, agregam ainda algum SVA: suporte técnico, autenticação, e-mail, hospedagem web, operação de data center, registro de domínios e algumas formas de Software como Serviço (SAS), tais como anti-vírus, backup etc.
A outra categoria de ISPs, de pequeno ou médio porte, atua apenas em SVA, sem infraestrutura SCM, geralmente se especializando em um serviço único ou principal.
Não se deve confundir esses dois conjuntos de mais de mil empresas de pequeno e médio porte com os grandes provedores ligados a grupos de comunicação ou a empresas de telecomunicações, pois estes formam uma terceira categoria de ISPs centrada na oferta de conteúdo, embora na prática retirem suas receitas de uma ampla gama de SVAs.
A atuação dos provedores SCM foi fundamental para o alastramento da banda larga, além do perímetro urbano das grandes cidades, atuando principalmente em cidades do interior. A exceção que confirma a regra é representada por alguns poucos provedores que competem em bairros específicos de grandes cidades, ofertando um acesso diferenciado de alta velocidade baseado em infraestrutura própria, de fibra ótica.
O mercado de ISP já passou por um processo de consolidação. De fato, dos inúmeros provedores diversificados que atuavam nas grandes cidades, restam muito poucos: ou foram adquiridos, ou fundiram suas operações, ou abandonaram o negócio, ou focaram em um serviço especializado, ou migraram para o interior. Entretanto, dada a tendência à concentração dos mercados, mesmo no interior, na medida em que avança a oferta de banda larga pelos provedores de Telecom ao arrepio da Lei Geral de Telecomunicações – LGT, os provedores SCM veem-se ameaçados. Enquanto isso, os provedores SVA disputam mercado com os grandes provedores de conteúdo, que buscam diversificar suas fontes de receita.
PNBL: concentrador ou includente?
A rede de comunicação, insumo básico da Internet, pode ser dividida em três segmentos: o backbone nacional, o backhaul regional e a última milha local.
Hoje, as redes backbone são fornecidas pelas concessionárias e pelos espelhos de Telecom. No backhaul, a oferta e a situação concorrencial são piores. Em algumas regiões, simplesmente não há oferta; em outras, apenas as concessionárias têm rede. Na última milha, a oferta é mais pulverizada, principalmente fora dos grandes centros urbanos, onde os provedores SCM têm papel destacado.
O PNBL requererá investimentos nos três segmentos da rede. Embora a discussão hoje esteja centrada no investimento estatal no backbone, é de se esperar que o maior investimento seja na capilarização da última milha. Dado o volume de investimento necessário, o PNBL usará dinheiro público e privado, seja para um investimento estatal direto, seja para ampliação das concessões, seja na forma de financiamento. As duas primeiras modalidades de investimento tendem a ser concentradoras, ampliando o papel de grandes players privados ou estatais num segmento da rede que hoje é pulverizado, capilar e concorrencial: a última milha.
A infraestrutura do backbone tende à concentração, dada a dificuldade de amortizar os investimentos. Há regras para se lidar com monopólios de fato. O espírito da LGT aponta para uma separação estrutural, que impede o dono da infraestrutura de ofertar serviços ao usuário final. Na prática, essa situação não foi regulamentada nem reforçada pela Anatel. Logo, o governo acena com um provedor estatal de infraestrutura que atue como balizador de preços nos mercados competitivos ou ofertante único nos mercados hoje não atendidos pelas concessionárias.
Afora isso, é de todo salutar que se considere o papel dos pequenos ISPs e das lanhouses na capilaridade da rede. Uma atuação estatal direta ou a extensão do regime monopolístico privado para a última milha feririam de morte a centelha empreendedora tão necessária para o Brasil, e representariam uma terrível injustiça para com aqueles que até aqui tiveram papel, ainda que importante, pouco reconhecido. Para isso, é preciso que o governo viabilize alguma forma de financiamento acessível ao pequeno empreendedor, carente de garantias reais. Uma forma seria a aceitação de garantias progressivas, pelas quais o próprio ativo financiado entra como garantia. Outra seria um fundo de aval constituído por dinheiro público que complementasse as garantias dos pequenos empreendedores, ou seja, nenhuma solução que já não exista.
Assim como a proximidade de uma escola ou de uma biblioteca não é indicador do nível de escolaridade ou de educação, a disponibilidade de banda larga, por si só, não garante a inclusão digital. O treinamento é fundamental para isso – e treinamento prático, não apenas teórico. Os pequenos empreendedores, através do suporte local, representam uma ferramenta de inclusão que, embora possa ser aprimorada, já mostrou sua eficácia. Portanto, é mister que a inclusão seja feita, de fato, e não somente nos dados estatísticos, a fim de que todos possam participar dela, usufrindo-a com autonomia.
WAGNER, Jaime. O PNBL e os Pequenos Provedores. In: CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil). Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação 2009 . São Paulo, 2010, pp. 81-85.